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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Dias outonais


Monótonos correm os dias dum fim de verão citadino em que o sol brilha sempre, ainda dá calor e os espaços do tempo parecem infinitos como uma ténue linha sobre a água parada dum lago limpo e sem vida. Um ar morno compadece-se suavemente da natureza que ensandeceu sob o calor tórrido, quase líquido, de metal em fusão, do astro rei que tanto tem o poder de dar a vida quanto de destruí-la sem piedade. E no interior da cidade, entre os prédios feios e deselegantes, um espécie de silêncio, entrecortado de vagos rumores de motor,de passos nas calçadas e de vozes abafadas, ressoa como um suspirar de fim de dia.
Há no ar parado das pessoas que passam um desespero mudo, entranhado, resultante talvez de férias fugidias, frustrantes, desejadas ou não gozadas. Já nem se dá por que um novo ano escolar começou, porque as escolas ficam fora da vida da cidade: as crianças e jovens raramente circulam a pé e em buliçosos magotes como outrora, privadas dos passeios e calçadas, apinhadas agora em veículos pesados ou conduzidas nos automóveis particulares de família ou conhecidos. Tudo o que borbulhava e estuava de vida parece ter-se plasmado no tempo do que é adulto e cinzento, cinzento e adulto.
Nos bancos dos jardins pousam, na tarde morna, as pombas que em vão esvoaçam à procura de alimento. Há uma praça larga que a maioria dos passantes atravessa quase em passo de corrida sob as tílias que se desfazem lentamente das folhas de um verde acinzentado que desbotou em tons suaves de amarelo. A sombra que foi fresca e desejada torna-se quase gélida se o vento norte sopra.
Não apetece deambular pela cidade - não tem vida. A vida pasmou nos bairros e fugiu das calçadas, das ruas, dos passeios. As pessoas arvoram um ar triste ou compenetrado agressivo ou indiferente. Caminha-se por necessidade, vive-se por viver, olha-se por olhar. Fadigas inconfessáveis pairam como pó entorpecente e há o rumor surdo que tudo orquestra: as pessoas e os raros bichos que se atrevem por ali a deambular, a atravessar as ruas - é o barulho surdo de autómatos, que se arrastam sobre as rodas de borracha, verdadeiramente os únicos que transitam e mostram alguma energia.
Os veículos são os habitantes citadinos privilegiados nas ruas dos dias outonais. Ditos ao serviço das pessoas fazem melhor que isso - substituem-nas e promovem a asfixia do ar envolvente.
A poesia do outono lê-se olhando o chão não varrido das folhas caídas, entrelaçadas com o lixo urbano, raramente biodegradável.

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