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segunda-feira, 12 de março de 2012

Se todo o ser ao vento...


Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.

Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse raro esplendor
Prometido nas formas que perdemos.
Aqui deposta enfim a minha imagem,
Tudo que é jogo e tudo que é passagem
No interior das coisas canto nua.

Aqui livre sou eu - eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos
Aqui sou eu em tudo quanto amei.
Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu amor que só perdi,
Não pelos incertos actos que vivi,
Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor do amor me eternizei.

Sophia de Mello Breyner Andresen