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domingo, 10 de junho de 2012

Eça e o Amor no Oriente...


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Hoje, nas cidades do Oriente, o Amor não existe. De resto, por toda a parte, o Amor está velho, decrépito: começa, como o Diabo, a ser caricaturado, emprega-se para viver em pequenos misteres lucrativos, e já se pensa no seu epitáfio!
O Amor vive sobretudo da imaginação, da literatura, do catolicismo, do romance, da influência da natureza vegetal e celeste, e da delicadeza das relações da vida. No Oriente, a literatura quase não existe: os poemas limitam-se a celebrar as guerras e as altas façanhas da vida errante. A música é uma melopeia monótona e doce que embala o trabalho - e a mulher é considerada como um objecto inerte, procriador e animal.
A religião não leva ao misticismo, nem ao idealismo; o contacto dos sexos é difícil, impedido pelos costumes, pelo véu que cobre o rosto das mulheres, pela reclusão do harém. O cérebro da mulher não é bastante activo nem bastante dúctil para poder comparar, escolher, pensar, devanear e premeditar.
O homem despreza a mulher e o Amor é incompatível com o desprezo. O Amor vive da graça e a graça é desconhecida no Oriente. Aqui, o eterno feminino não existe como princípio influente, cativante e transformador. A mulher não tem existência activa: aceita. A tradição, a história, as legendas, estão cheias das derrotas do Amor.
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Assim o Amor, despojado da sensibilidade, do ideal, da imaginação, da arte, do teatro, da religião, do lirismo, fica reduzido apenas a uma brutal atracção epidérmica.


Eça de Queirós, O Egipto - Notas de viagem (2º quartel séc. XIX) 

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