« O pessimismo de Antero é mais alegre que o seu optimismo e a sua fé mais desoladora do que a sua descrença.
É que - creio ser o primeiro a observá-lo - aquelas pessoas a quem é mais conforme a tristeza do que a alegria, quando por acaso alegres (realmente, presumo) não estão em si como na tristeza. Isto dá-se com outras faculdades. Edgar Pöe, por exemplo, é mais contente no seu terror do que na sua alegria.
[...]
Com Antero de Quental se fundou entre nós a poesia metafísica, até ali não só ausente, mas organicamente ausente, da nossa literatura.[...]»
Fernando Pessoa, texto não datado, publicado in Colóquio-Letras, nº 8, Julho de 1972 (excertos)
A um Crucifixo
Há mil anos, bom Cristo, ergueste os magros braços
E clamaste da cruz: há Deus! e olhaste, ó crente,
O horizonte futuro e viste, em tua mente,
Um alvor ideal banhar esses espaços!
Porque morreu sem eco o eco dos teus passos,
E da tua palavra (ó Verbo) o som fremente?
Morreste... ah! dorme em paz! não volvas, que descrente
Arrojarás de novo à campa os membros lassos...
Agora, como então, na mesma terra erma,
A mesma humanidade é sempre a mesma enferma,
Sob o mesmo ermo céu, frio como um sudário...
E agora, como então, verás o mundo exangue,
E ouvirás perguntar - de que serviu o sangue
Com que regaste, ó Cristo, as urzes do Calvário?
Antero de Quental, Sonetos
Sem comentários:
Enviar um comentário