Ideal dum parisiense
Felicidade! Felicidade!
Ai quem ma dera na minha mão!
Não passar nunca da mesma idade,
Dos 25, do quarteirão.
Morar, mui simples, nalguma casa
Toda caiada, defronte o Mar;
No lume, ao menos, ter uma brasa
E uma sardinha pra nela assar...
Não ter fortuna, não ter dinheiro.
Papéis no Banco, nada a render:
Guardar, podendo, num mealheiro
Economia pró que vier.
Ir pelas tardes, até à fonte
Ver as pequenas a encher e a rir,
E ver entre elas o Zé da Ponte
Um pouco torto, quase a cair.
Não ter quimeras, não ter cuidados
E contentar-se com o que é seu,
Não ter torturas, não ter pecados,
Que, em se morrendo, vai-se pró Céu!
Não ter talento; suficiente
Para na vida saber andar,
E quanto a estudos saber somente
( Mas ai somente!) ler e contar.
Mulher e filhos! A Mulherzinha
Tão loira e alegre, Jesus! Jesus!
E, em nove meses, vê-la choquinha
Como uma pomba dar outra à luz.
Oh! grande vida, valha a verdade!
Oh! grande vida, mas que ilusão!
Felicidade! Felicidade!
Ai quem ma dera na minha mão!
Paris, 1892
António Nobre, Só
Quem ma dera...na minha mão...
ResponderEliminarAs cores dum arco-íris já são uma bênção...
Eliminarsão tão ilusórias quanto a noção abstracta da... felicidade.