Numa qualquer manhã, um qualquer ser,
vindo de qualquer pai,
acorda e vai.
Vai.
Como se cumprisse um dever.
Nas incógnitas mãos transporta os nossos gestos;
nas inquietas pupilas fermenta o nosso olhar.
E em seu impessoal desejo latejam todos os restos
de quantos desejos ficaram antes por desejar.
Abre os olhos e vai.
Vai descobrir as velas dos moinhos
e as rodas que os eixos movem,
o tear que tece os linhos,
a espuma roxa dos vinhos,
incêndio na face jovem.
Cego, vê, de olhos abertos.
Sozinho, a multidão vai com ele.
Bagas de instintos despertos
ressumam-lhe à flor da pele.
[...]
Vai.
Lábios húmidos do amor da manhã,
polpas de cereja.
desdobra-te e beija
em ti mesmo a carne sã.
Vai.
À tua cega passagem
a convulsão da folhagem
diz aos ecos
«tem que ser»;
o mar que rola e se agita,
toda a música infinita,
tudo grita
«tem que ser».
Cerra os dentes, alma aflita.
Tudo grita
«tem que ser».
António Gedeão, Poesias Completas
Como gosto do Gedeão.
ResponderEliminarVai...e pronto. O principio de tudo.
Beijinhos