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sábado, 11 de dezembro de 2010

Vida Liceal - Parte V



Matinée dançante

Os exames estavam próximos.
O sr.dr. Simões já há muito que tinha levado à cena os jovens artistas, que tinham obtido fartos aplausos das entidades políticas e religiosas da terra, da família, dos amigos e colegas à mistura com assobios irreverentes, logo contidos pelos contínuos que os faziam calar, às vezes só com um olhar de reprovação. Agora, os alunos estudavam com afinco por quererem ver-se livres do 2º ciclo e ingressarem no 3º que lhes iria abrir caminho para estudos superiores, ou a dedicarem-se a outros misteres. Frequentemente, porém, depois de um dia de porfiados esforços, as faces dos jovens mostravam-se pálidas e cansadas, emagreciam a olhos vistos e sempre havia alguém que pensava seriamente em proporcionar alguma diversão aos pobres estudantes. O caso, porém, é que nem todos pensavam assim e os pais de Catarina estavam entre estes. " Que fizesse o exame primeiro e depois teria tempo para se divertir à vontade"... - diziam. Isabel, sabendo por experiência que não seria fácil que deixassem Catarina ir com ela à matinée dançante,resolveu pedir-lhes, por intermédio de uma sua tia, a necessária permissão. E a srª Dona Guilhermina lá se encarregou bondosamente da tarefa. Depois de umas recusas e uma conversa de longos minutos, conseguiu o desejado consentimento e as raparigas respiraram de alívio,muito contentes,agradecendo a senhora o gesto complacente.
E, no dia do baile, as duas amigas, uma boa meia hora antes da tia desta as vir buscar,estavam prontas, ambas muito gentis nos seus leves e simples atavios: Catarina de vestido de organza azul-pálido, com fita de veludo do mesmo tom a prender-lhe os longos cabelos, de um tom de ouro velho, que lhe caíam pelas costas e Isabel com o seu alvo vestidinho também de organza apertado na cintura por um fino cinto preto de camurça e sapatos pretos do mesmo material. Na cabeça, a apanhar os caracóis escuros. uma simples grinalda branca. Estavam gentis e frescas e nos lábios naturalmente rosados pairavam sorrisos de emoção e os seus olhos - escuros os de Isabel, muito claros, os de Catarina - brilhavam com o brilho de estrelas. E quando a Dona Guilhermina chegou com a filha, uma menina muito interessante e ladina, que a todos fazia rir com os seus repentes de inocência, seguiram para o chá dançante realizado em honra das crianças, mas de que a juventude também beneficiava.
Quando as duas amigas penetraram nas salas contíguas onde se dançava, conversava e ria animadamente,sentiram que aquela pequena reunião social ficaria indelével na sua memória e prometeram a si mesmas tirar o melhor partido possível do acontecimento. E logo trocaram impressões sobre os circunstantes.
- Olha, Catarina, o Carlos Simões anda a dançar com a Armanda- confidenciou Isabel à amiga,Catarina fez um sinal de assentimento.
A orquestra de música ligeira começara a tocar uma valsa de Strauss, precisamente o "Danúbio Azul", sempre muito apreciada.
- Vamos dançar, Bela?
Isabel acedeu e depois de pedirem licença à dona Alice, juntaram-se aos pares que rodopiavam pela sala. Ainda não se encontravam Há muito na pista e já Carlos Simões e Jorge Manuel se lhes juntavam e lhes pediam gentilmente as honras da dança. após uma ligeira agitação, as raparigas acederam. O par formado por Jorge Manuel e Catarina, nos rodopios da valsa, travava um diálogo de circunstância.
- Então veio com a Isabel?
- Sim, viemos com a tia dela.
- Ah! Então ela gosta de bailes?
Catarina olhou-o,meio desconcertada, antes de responder. Com um sorriso meio trocista,que lhe encrespou a boca de lábios bem desenhados, de contorno suave.
- Suponho que sim...E porque não havia de gostar? Até pode odiar certas pessoas que por lá circulem, mas festas e bailes não me parece que sejam eventos que nã mereçam as honras de serem distinguidos com a sua má-vontade.
O rapaz fixou a jovem com insistência, mas esta manteve-se imperturbável.
- Não sei o que quer dizer com isso, mas se não me entendeu , creia que me dá o maior desgosto da vida... - e o rapaz mostrava-se um tanto contrariado.
Catarina simulou um perfeito ar de espanto e alguma indignação, ao retorquir:
- Você não está bom da cabeça! Estará a brincar comigo?
Ele olhava-a com insistência e determinação: - Quer-me dizer, Catarina, que não sabe de nada?
Parecia de repente triste e a rapariga deu-se conta que de nada lhe valeriam dissimulações: jorge Manuel, brincalhão, indomável, era um rapaz leal que, quando entendia,sabia falar sábia e adequadamente. E concordou: - Percebo ao que se quer referir, Jorge Manuel. Estou tanto a par que foi com muita apreensão que encarei aquilo que chegou pelo correio e tive de inventar que vinha de uma nossa amiga de Lisboa, para evitar sarilhos da pessoa a quem era dirigida com a família através da cusquice da empregada e dama de companhia. Se foi sincero no que escreveu, penso que compreenderá porquê.
- Compreendo. E a resposta, que nunca recebi? Sabe-a, por acaso?
- Já a devia ter percebido. Não negue. E permita-me, apesar de ser mais nova que você, dar-lhe um pequeno conselho:o pensar que uma rapariga séria, que tem consciência do caminho que trilha, não dá aereamente resposta ao tipo de solicitação recebida, não do género que você esperava. É quase obrigada a a não acreditar nas palavras que qualquer um lhe dirija nesse sentido.
- Mas não sei porquê - protestou o rapaz - se são sentidas.
- Acontece que a maior parte delas são falsas e constituem para o seu sexo um mero divertimento, assim como uma espécie de desporto para os que as dizem. Vá lá, e para que não se ofenda, admito que haja excepções a esta regra, raras como todas as excepções.E ouça o que lhe digo, se quiser que a Isabel sinta simpatia por si: trate-a como uma outra qualquer camarada amável e finja que não se lembra de lhe ter escrito ..."aquilo"... Creia que é a única coisa que tem de fazer e você não conhece a Isabel tão bem como eu, que sou sua amiga.
E Catarina calou-se, perguntando-se se estaria a sonhar e se seria mesmo ela que falava naqueles termos sensatos a um rapaz que, não sendo um desconhecido, também não era um familiar e metendo-se num assunto no qual nunca pensara imiscuir-se, assim, volteando ao ritmo de uma lânguida valsa, que lhe fazia proferir o longo discurso com sucessivas intermitências.
Calado por momentos, foi um pouco pensativo que Jorge Manuel respondeu:
- Obrigada pelo conselho, Catarina. A sério. E estou a perceber porque é que o Zé Luís diz não conhecer rapariga mais franca e leal que você, apesar de saber que nunca o toma a sério. Agradeço a sua franqueza e lembre-se que de hoje em diante terá em mim, mais que um colega, um amigo.
Disse isto com um semblante algo carregado, que logo se lhe desanuviou ao perguntar, meio ansioso:- E acha que poderei convidar a Isabel para dançar?
Um pouco desorientada com tudo aquilo, a rapariga riu.
- Claro! Parece-me - talvez uma contradição, que quer? - mas até lhe ficaria mal se o não fizesse.
E como nesse momento soassem os últimos acordes da valsa, a rapariga concluiu, risonha: - E agora adeus. Veja lá como se porta, se tem juizinho... E perante o rapaz que também a olhava sorrindo, Catarina desapareceu por entre os muitos pares que conversavam esperando um novo número, dirigindo-se para a mesa circular onde dona Guilhermina e outras senhoras conversavam. Mimi, a pequena prima de isabel, correu ao seu encontro, alvoroçada.
- Olha, sabes? Esteve aqui o Gaspar! quando a mamã lhe disse que tinha trazido a Belinha e a ti, perguntou-me quem tu eras!
Catarina riu, pegando na miúda ao colo: - Ai, sim? E que lhe respondeu a nossa Mimizinha?
- Disse-lhe que eras a Kaety e que a Belinha gostava muito de ti e eu também!
Pouco depois, quando Isabel Maria se aproximou, encontrou Catarina a rir com vontade das várias observações e histórias da engraçada pequena.
- vocês estão muito bem dispostas!...
- Se soubesses! Calcula que a tua prima foi dizer ao Francisco que ela parecia ter ido a um enterro!...
- Oh! Oh! E porque disseste tu isso, Mimi?
- ora1 Foi a Kaety que outro dia disse para ti que ele era um enjoado e que parecia vir de um enterro cheio de cerimónia. Eu ouvi e disse-lhe...
O riso esfuziava entre as raparigas, quando se ouviram os prelúdios de uma nova valsa e Carlos Simões e Jorge Manuel se aproximavam de novo a convidar as duas jovena para a nova dança, com desespero da Mimi que lhes queria contar mais qualquer coisa que só vieram a saber quando voltaram a regressar à mesa, depois de mais duas danças, agora já com o par trocado.
- Olha! E eu também lhe disse que ele era um enfatuado, mas que era bom rapaz. E ele ficou muito admirado e perguntou-me quem me tinha ensinado isso...e eu disse-lhe.
- Disseste-lhe?!
- Disse. Disse-lhe assim: "Foram umas meninas".
- Tu disseste isso?! - insistiu Isabel. Catarina fingia-se alarmada.
- Disse. e depois ele perguntou quem foi. E eu disse que tinham sido umas meninas que estavam em tua casa, mas não sabia o nome...
- Oh!, menina! - gemeu Catarina. - e ele não te perguntou mais nada?
- Perguntou muitas coisas. e também perguntou se tu estavas lá em casa.
-Eu?!...
- Sim e eu disse-lhe que não, para tu não te zangares comigo se dissesse que estavas.
Mais tranquilizadas, as raparigas optaram por rir de todo aquele palavreado inocente da pequena Mimi. E, quando pouco depois, Francisco, um primo da Bela, surgiu de novo perto de dona Guilhermina, as duas raparigas tiveram de morder os lábios para sufocarem o riso ao lembrar as fofocas da garota.

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