

Os grilos
Os grilos não se ouvem de dia, no verão, senão com muito calor. Escondidos na sombra, deleitam-se com a frescura que emana das raízes das plantas nos campos de macela, ervas, searas a perder de vista. O seu canto confunde-se com o grito contínuo das cigarras. Mas é à noite que orquestram o seu incessante grilado, vestidos de cerimónia, com longas casacas de abas, numa dança de sons a que a escuridão calma dá eco. Não admira: estão apaixonados e fazem o seu concerto sinfónico em honra da vida que, breve, passa.
Quem os ouvir, os grilos
que trilam trilam na escuridão,
há-de julgar que os grilos
têm razão.
Enchem a Noite de trilos.
Nem sei que absurda causa os leva
a serem mais presentes e reais
do que o perfume da esteva.
Cantam. De quanto é bom me alheiam.
Não há Estrelas, nem rouxinóis, nem nada:
há eles só, riscando a Noite
com sua voz encarnada.
Que é das Fadas que vêm com a Noite?
Que é dos sonhos que a gente
sonha, mesmo acordados,
só porque a Noite nos pressente?
Que é dos versos nascidos
quando as brisas da Noite nos embalam?
(Zanga-se o Poeta, à noite, com os grilos...
Mas eles não se ralam.)
Sebastião da Gama, Cabo da Boa Esperança
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