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quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A Borboleta



Chorava quando uma borboleta da noite queimava as asas na chaminé do candeeiro ou se esborrachava contra as lâmpadas quentes e transparentes que iluminavam as sombras da sala nas noites cálidas do verão.
E nunca apreciei o desporto de correr atrás das borboletas diurnas com uma rede, apanhá-las meio entontecidas e espetar-lhes o alfinete para as deixar secar lentamente só para mostrar uma bela colecção! Não sei porquê, mas soava-me a cobardia e crueldade e as pobrezinhas não mereciam isso. Uma borboleta é linda enquanto tem a liberdade de voar, de pousar sobre a flor, de ensaiar danças com outras companheiras no espaço que o Sol ilumina. Sem Sol não há borboletas. Só há mariposas. Estas perdem em cor e ganham em mistério...
Quando menina, cantava um pequeno poema que duas ou três décadas depois vim a descobrir pertencer a Fernando Pessoa. Era linda a melodia - de Lopes Graça, parece - e o termo mariposa soava como algo de misterioso e terno aos meus ouvidos que se deliciavam com ele e nem perguntaram na época o que objectivamente significava. As borboletas da noite, na casa da família, eram então, e apenas, borboletas da noite. E foi também por acaso, e maravilhada, que, num dia também longínquo, descobri ao que se referia. E se não perdeu em poesia, ganhou em conhecimento de mistura com uma espécie de êxtase próprio do mistério da noite.

Louca mariposa
Bate na vidraça...
Vem da noite enorme...
Vem da noite enorme
Cheia de perfume...
Fora tudo dorme...
Que silêncio enorme!

Estou a citar de memória. Ainda guardo aquela melodia lenta, quase ciciada, bem dentro de mim. Mariposa era nessa época o conjunto dos eflúvios da noite prenhe de cheiros intensos, de silêncios consentidos, do céu escuro e estrelado, com ou sem a diafaneidade do luar.
Ao varrer as varandas, de manhã, encontrava pelo chão os cadáveres macios e acinzentados, ou em tonalidades de castanho, de patinhas escuras e hirtas e uns enormes olhos salientes...
Tinha uma amiga que sentia medo delas, um terror quase repulsivo. Eu não entendia... Ria-me com os seus gritinhos histéricos e os trejeitos cheio de confusão, mas sentia vontade de lhes preparar um lindo funeral com muitas e mimosas flores. Até na morte eram lindas, macias, quase penugentas, seres a quem os olhos tinham condenado a morrer mais jovens, decerto, por pura inexperiência.
Eram o símbolo do mistério da noite perfumada, da morte não anunciada, tal como uma parte de mim que não gostava do Sol porque a Lua também era linda, não crestava a pele e o luar olhava-se de frente. Podia tornar triste um coração dorido, mas a lua não obrigava a chorar.
As borboletas são deveras lindas: alegres, ondeantes, adoráveis. Gosto de vê-las libando o néctar das flores, ainda que saiba que vão bichar a fruta e as larvas me comerão todas as folhas das roseiras enquanto se prepararem para formar casulo e dar vida a outras borboletas... São elegantes, extravagantes, muito tontas, muito coloridas, extremamente belas!
... Mas continuo a sentir muito carinho, muito encantamento, muito respeito até... pelas mariposas.




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