[19-11-1935]
Há doenças piores do que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angústias sonhada mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com imaginá-las
Que são mais nossas do que a própria vida.
Há tanta coisa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós...
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas...
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.
Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.
Fernando Pessoa, in Cancioneiro
N.B: Talvez um dos últimos poemas datados de Pessoa ortónimo. Daí a poucos dias - 30 de Novembro - veio a falecer, queixando-se à irmã que não via e pedindo os óculos.
Sem comentários:
Enviar um comentário