Eu gosto, pelas ruas da cidade,
De ver uma velhinha corcovada,
Cheia de rugas, cheia de saudade,
Invejosa, mirando a mocidade
Que passa crente, alegre, descuidada.
Acho que tem beleza e poesia
Esse invejar saudoso do passado,
E, na cara da velha, que se ria,
Vê-se, coitada! só melancolia,
Saudades sepulcrais do seu noivado.
Pára sozinha, às vezes, numa esquina,
Olhando para o chão como espantada;
E a pobre e vã cabeça que se inclina
Busca na terra alguma luz divina,
Que se esvaiu desfeita e apagada.
Outras vezes, sorrindo de ironia,
Pára mirando uma mulher formosa
Que vai vivendo das visões que cria
E põe felicidade e poesia
Onde a velha só vê desgraça e prosa.
Na velhinha enrugada, a espaços, vejo
Que há nos olhos volúpia relembrada!
Corda quebrada a dar o último harpejo!
Ei-la! olha as primaveras com desejo
E caminha tremente e corcovada.
Carlos Fradique Mendes/Eça de Queirós,
in Revolução de Setembro [29 de Agosto de 1869]
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