[...]
É subir, é subir além dos céus
Que as nossas almas só acumularam,
E prostrados a rezar, em sonho, ao Deus
Que as nossas mãos de auréolas lá douraram.
É partir sem temor contra a montanha
Cingidos de quimera e de irreal;
Brandir a espada fulva e medieva,
A cada hora acastelando em Espanha.
É suscitar cores endoidecidas,
Ser garra imperial enclavinhada,
E numa extrema-unção d' alma ampliada,
Viajar outros sentidos, outras vidas.
Ser coluna de fumo, astro perdido,
Forçar os turbilhões aladamente,
Ser ramo de palmeira, água nascente
E arco de oiro e chama distendido...
Asa longínqua a sacudir loucura,
Nuvem precoce de subtil vapor,
Ânsia revolta de mistério e olor,
Sombra, vertigem, ascensão - Altura!
E eu dou-me todo neste fim de tarde
À espira aérea que me eleva aos cumes.
Doido de esfinges o horizonte arde!...
Mas fico ileso entre clarões e gumes!...
Miragem roxa de nimbado encanto -
Sinto s meus olhos a volver-se em espaço!
Alastro, venço, chego e ultrapasso;
Sou labirinto, sou licorne e acanto.
Sei a distância, compreendo o Ar;
Sou chuva d' oiro e sou espasmo de luz,
Sou taça de cristal lançada ao mar;
Diadema e timbre, elmo real e cruz...
O bando das quimeras longe assoma...
Que apoteose imensa pelos céus!
A cor já não é cor - é som e aroma!
Vêm-me saudades de ter sido Deus...
*
Ao triunfo maior, avante pois!
O meu destino é outro - é alto e é raro.
Unicamente custa muito caro:
A tristeza de nunca sermos dois...
Paris, Fevereiro de 1913
Mário de Sá-Carneiro
Sem comentários:
Enviar um comentário