Para ser velho não é preciso um rosto
Com rugas vincadas pelo tempo.
Para ser velho basta o desgosto,
A ruga da desilusão, o desalento
Que mói e rói o coração,
Pergaminho da alma lacerado
Pelo horror da vida e solidão
Manchado, fechado e enrugado,
Pisado sem dó, escravizado
À dor do amor ou da paixão.
Rosto velho, alma que chora
A mais doce ilusão
E secretamente implora
Sorrisos e afeição.
Em cada ruga uma história,
Em cada esgar um senão,
Rosto velho onde a memória
É verdade e é vitória,
Um ricto duro, um ricto terno
Choro breve como o tempo e o vento
Estranho, surdo e lento
Dum renascer fraterno.
Quem entreviu este rosto?
Quem prendeu este olhar?
Quem encontrou, nestas rugas, o mar?
Sophia Guiomar, Poemetos, 1992
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